Chorar ou sorrir?

Mesmo quando estamos sabendo que uma vida pode se extinguir a qualquer momento, nunca estamos 100% preparados para a perda.

Meu avô viveu 95 anos, estava em estágio terminal de câncer e mesmo assim, saber que ele se foi não ficou mais fácil. Não exatamente pelo fato de ele ter morrido, mas pelas complicações de lidar com as emoções e reações de todas as pessoas próximas dele. É duro ver quem você nunca sequer viu se emocionar, simplesmente desmoronar na sua frente.

Mas depois de passar por outra perda traumática recentemente, eu coloquei na minha cabeça que, dessa vez, eu não iria chorar. Eu ia ser a pessoa que estaria lá para apoiar quem chorasse. Eu seria o que o meu avô passou para mim através do meu sobrenome... eu seria a rocha.



E o motivo disso é muito simples: eu não tenho nenhuma memória ruim do meu avô. Eu não tenho lágrimas para derramar de nenhum momento que passei com ele. Ele pode ter sido rígido com os filhos, mas com os netos, era somente alegria. Não me lembro de ver meu avô um dia sequer de mau-humor.

Eu chegava na casa dele e sempre era recebida do mesmo jeito. Ele me via e falava "Juliete, minha neta! Brilhando cada vez mais!" Ele nunca me chamou pelo nome, sempre fui a Juliete. Aliás, meu avô chamava quase todos os filhos e netos por apelidos.

Da minha casa (eu sou vizinha da casa dos meus avós) escutava ele todo dia de manhã caminhando pelo quintal, assobiando com os passarinhos que ele tanto gostava. No dia do enterro, estava cheio de pássaros cantando enquanto ele era sepultado, como se tivessem vindo especialmente para dar adeus.

Todo aniversário, natal ou data festiva, ele comprava uma caixa de bombons Garoto para cada filho e neto. Na minha, ele digitava o nome na máquina de escrever, colava em uma etiqueta e me dava de presente. É impossível eu ver uma caixa de chocolates amarelinha e não me lembrar dele.

Todos os dias ele ia na banca de jornal, comprar o Estado de Minas do dia. Eu sempre me perguntei por que ele nunca assinou o jornal. Ele dizia que na banca podia conversar com os amigos.

São tantas coisas pequenas e simples, mas que sempre vão estar ligadas à memória dele pra mim. E vão me fazer sorrir, nunca chorar.

Descanse em paz, vovô Rocha.

Comentários

  1. A tua história me fez lembrar da minha, eu também tive um avô muito bacana, que também morreu de câncer. Eu tinha 16 anos quando ele se foi, e também não chorei. Minha mãe ficou desolada, e eu, a única parente que sobrou, tinha que ficar em pé pra manter em pé a minha mãe, e pra manter em pé também uma melhor amiga no colegial, que na época queria se suicidar. Força estranha essa, que a gente tira sabe deus da onde pra se levantar e ainda carregar os outros...acho que a gente é mulher forte, Ju!

    E sempre que eu comer mel, ou estudar idiomas estrangeiros, sentirei um pouco do meu avô perto de mim.

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